Quando a gente pensa em vir ao campo missionário, as primeiras coisas que surgem em nosso coração são: salvarmos vidas, ensinarmos a Palavra de Deus e tudo mais ligado a isso. Imaginamos que sabemos tudo, temos muito para dar e somos escolhidos de Deus com uma unção sobrenatural para mudarmos tudo o que achamos que está errado em outras culturas.
Essa motivação de transformação daquilo que possa estar errado nos padrões bíblicos e de bom-senso pode ser justa correta e boa.
Essa motivação de transformação daquilo que possa estar errado nos padrões bíblicos e de bom-senso pode ser justa correta e boa.
E creio que Deus nos fez assim, nos chamou para uma missão e nos deu essa unção transformadora de vidas ao nosso redor. Entretanto, precisamos atentar para outro fato: Deus também quer atuar dentro de nós, transformando-nos de dentro para fora.
Enquanto estamos de longe, vendo fotos, ouvindo histórias sobre uma nação, claro que nasce em nós uma romântica paixão pelo país, pela cultura. Quando, no entanto chegamos àquele país, nos deparamos com os desmandos do povo, as contradições (segundo nosso ponto de vista).
Passamos a ver e viver todas as situações sem explicações lógicas diante de nossas lentes culturais. Nesse momento, fica difícil manter a chama de amor e paixão pelo aquele povo, paixão essa outrora acesa de forma romantizada e altamente, posso dizer assim, espiritualizada.
No meu humilde ponto de vista creio que essa é a primeira lição que aprendemos, esse é o primeiro ensinamento que temos no campo, esse é o primeiro estagio do tão chamado "choque cultural".
No meu humilde ponto de vista creio que essa é a primeira lição que aprendemos, esse é o primeiro ensinamento que temos no campo, esse é o primeiro estagio do tão chamado "choque cultural".
Nesse ponto percebemos que se não tivermos realmente uma Palavra de Deus sobre ficar com aquele povo, torna-se difícil manter a chama da missão e da paixão acesas. Podemos até começar a maltratar o povo, ao invés de abençoá-los.
Todavia, se resistirmos no amor e perseverança, com esperança e vencermos as primeiras etapas do choque, mesmo com as contradições do povo e terra, creio que começa um "segundo estagio". Começa o grande segundo desafio: somos confrontados com o fato de que nem tudo que pensamos que sabemos é certo. Começamos também a aprender muitas coisas na cultura.
Não digo com isso que nos "converteremos" a cultura local, mas começamos a ver que não somos os únicos que estamos "salvando" as pessoas, mas que estamos sendo salvos também.
Vamos vivendo coisas que mostram que havia situações dentro de nós que precisavam ser reveladas. Nada como um campo hostil para aflorarem sementes que a gente nem sabia que estavam dentro de nós. Não são poucos os missionários que chegam ao campo e começam a ter atitudes que não tinham em sua própria cultura, seu próprio "habitat".
Costumo dizer que o Nepal é como uma grande maquina de Raio-X de Deus que revela os mais profundos sentimentos escondidos em nossas entranhas. O Nepal tem me ensinado essa ótica, que enquanto vou sendo usado por Deus, Ele vai usando as situações do dia-a-dia para me ministrar e ensinar também. Nesse ponto existe uma interação e cumplicidade com a cultura.
Creio que Deus se ri de ver que a gente pensa que pode controlar muitas coisas, mas no Nepal, coisas corriqueiras como um simples banho quente pode se tornar uma dádiva divina ao percebermos que não temos o total controle de conseguir isso. Por mais simples que pareça, mesmo se tivermos energia, gás, fogo, etc. sempre poderá haver uma situação que mesmo tendo tudo disponível, a água continuara gelada...creio que os anjos se divertem ao perceberem que não temos o controle das situações que antes pensávamos que tínhamos.
Aqui no Nepal, um simples corte de cabelo não sai do jeito que o cliente quer, mas sim do jeito que o cabeleireiro escolher e decidir. Você pode até pedir, para se sentir no controle da situação e ter a paz de consciência que tentou, mas com certeza não será atendido. Afinal, vocês não acham que seria querer demais a gente escolher nosso próprio corte de cabelo? (risos).
Quando cheguei ao Nepal achava tudo errado, estranho, diferente do que eu cria como bom senso, mas com mais de oito anos aqui, vou percebendo que eles não estão errados, mas que tem outro jeito de ver e outro jeito de fazer as mesmas coisas que eu pensava que tinham de ser feitas de um jeito somente.
Com esse prisma, creio que nosso egocentrismo diminui e começamos a ver que devemos também alem de ensinar, aprender muito com o povo e cultura.
Agora já penso: os nepaleses é que estão certos, e que o Nepal é o lugar mais lindo da terra, que Deus colocou no Nepal a coroa da criação física e geográfica: os Himalaia, as maiores montanhas do mundo (detalhe: entre as 10 maiores montanhas do planeta, oito estão dentro da bela terra do Nepal, entre elas o Everest, a maior de todas).
Hoje já penso que eles são os certos e me divirto mais do que me estresso no louco trânsito que ninguém entende onde vai dar tanta buzina, tanta confusão, onde a regra é absolutamente não ter nenhuma regra.
Agora, vejo com emoção as lavouras entrecortadas nas montanhas, as cachoeiras que descem os montes, o povo simples cuidando se suas cabras nas áreas altas...tudo soa lindo, belo, manso, pitoresco. Eles não se preocupam com alta de dólar (afinal, o que é isso? dólar?) eles não têm ações de bolsa, não se preocupam com a vacilante eletricidade do Nepal que tem dado o ar de sua graça apenas oito horas dias por este tempo.
Claro que em muitas situações ainda creio que poderia ser diferente, mas em tudo vamos sendo salvos da perspectiva que "somente nós sabemos fazer as coisas". Vamos diminuindo e o com isso, o Senhor Jesus vai crescendo neles, e com isso digo que "vamos salvando enquanto sendo salvos também".
Creio que isso é muito bom, percebemos que não somos o centro do universo, mas Jesus sim é! Ele é tudo! Sabe tudo! Ensina tudo! Percebemos que nem sempre nossas convicções e posições são as coisas mais importantes da Terra, mas que Ele seja glorificado, isso sim é o mais importante.
Bem, apreciando todas essas coisas, acho que hoje sou mais nepalês do que brasileiro, (já ate gosto do corte de cabelo que o cabeleireiro escolher para mim).
Creio que nisso estou sendo salvo. Não que não seja bom ser brasileiro, mas é bom saber que nem tudo deve ser do jeito que penso que deve ser...creio hoje que é muito melhor ser nepali.
Abraços do lindo e contraditório Nepal. Desta terra amada de Deus e deste povo amado de Deus.
Abraços do lindo e contraditório Nepal. Desta terra amada de Deus e deste povo amado de Deus.
Silvio Tamang
(Diretor Geral do Programa Meninas dos Olhos de Deus no Nepal)
Artigo retirado da 5a Edição da Revista MCMPOVOS
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