sexta-feira, 21 de agosto de 2009

A mulher de Samaria



O texto de João 4: 1-30 é um retrato comparativo que o Senhor desejou traçar entre a vida que tem como fonte aquilo que este mundo oferece e a vida que tem como sua fonte, Ele mesmo. A vida que esse mundo ilusoriamente oferece é diametralmente contraposta à vida que Cristo oferece e que verdadeiramente sacia.

Existem muitos pontos que podem ser observados nesta passagem. Em primeiro lugar, Samaria era um lugar em que Jesus, que ia para a Galiléia, propositalmente parou. Isso fala da soberania de Deus em prover circunstâncias de encontro entre os sedentos e Aquele que nos dá vida.

Observamos também, pelo próprio texto, que a mulher era samaritana. Culturalmente era um grande escândalo um judeu falar com uma samaritana. Era como uma grande humilhação e até mesmo contaminação, segundo os raciocínios da época. Isso nos fala que Jesus está acima de qualquer impedimento, seja ele físico, cultural, ou da nossa própria natureza e caráter. Ele, que é Deus, se humilhou na forma humana e se aproximou de todos nós por meio de Sua encarnação. Creio que o aproximar de Jesus à mulher samaritana nos remete ao aproximar de Cristo à humanidade, quando do céu desceu para suportar a forma humana.

“o qual, subsistindo em forma de Deus, não considerou o ser igual a Deus, mas esvaziou-se de si mesmo, tomando a forma de servo, tornando-se semelhante aos homens” Fp 2: 6-7

O aproximar-se de Jesus a nós é uma expressão da GRAÇA. Graça é DEUS se dando a nós por meio de CRISTO, para fazer em nós e por nós aquilo que jamais poderíamos fazer. Quando Jesus, um judeu, se aproxima da mulher samaritana Ele manifesta essa graça. Não se aproxima de ninguém por causa de merecimento, mas sim pelo Seu desejo de dispensar-se a todos que têm sede de vida.

Alguns dizem que Ele queria quebrar os tabus da época. Creio que essa não era Sua intenção. Sua intenção de aproximação da mulher samaritana tinha uma finalidade muito superior: oferecer algo que somente Ele possuía, que realmente poderia saciá-la. Assim Ele fez quando encarnado se aproximou da humanidade, revelando um conceito a respeito de vida que somente por meio Dele mesmo poderia ser revelado a todos nós.

Sobre esse NOVO CONCEITO a respeito de vida que todo o quadro do encontro desse texto trata.

A mulher de Samaria tinha expectativas de que a sua necessidade iria ser suprida pelas coisas que esse mundo oferecia a ela. Sua esperança de satisfação estava depositada na fonte do que a terra lhe provia. Todavia, bem sabia que nenhuma das coisas que buscou verdadeiramente a satisfizeram. Pelo menos dois pontos demonstram isso:

1 - Quando ela deseja a água do poço. A água do poço é uma água parada, é uma água que brota dos lençóis da Terra. A melhor tradução para a palavra poço é, na verdade, a palavra fonte. Fonte significa o lugar de onde vem o suprimento. A fonte de Jacó representa o suprimento que vem da Terra. Esse poço não representa simplesmente uma figura natural, mas também uma figura a respeito da fonte espiritual na qual a mulher se supria. Jesus poderia ter se encontrado com essa mulher em outro lugar. Poderia tê-la parado na rua, ou se aproximar enquanto comprava um figo na feira, mas não. Ele decidiu se encontrar com ela no poço de Jacó. Por quê? Porque ali ela seria confrontada com as DUAS FONTES. A fonte que por gerações e gerações sempre serviu a seu povo e a nova fonte que se apresentava diante dela, que não vinha da Terra, mas era uma PESSOA. Logo no começo da conversa existe um questionamento que a mulher coloca: “Disse-lhe a mulher: Senhor, tu não tens com que tirá-la, e o poço é fundo; donde, pois, tens essa água viva”? verso 11.

2 – Quando ela pede a Jesus a água que sacia. “Disse-lhe a mulher: Senhor, dá-me dessa água, para que não mais tenha sede, nem venha aqui tirá-la”, verso 15. Jesus se apresentou para a mulher como a água que sacia, a água da vida. Imediatamente, como se estivesse desesperadamente desejosa por exatamente isso, a mulher pede a Jesus! Veja bem o que ela disse: “para que não mais tenha sede, nem venha aqui tirá-la”. Ela sabia que não era somente uma questão de sede natural. Ela sabia que o poço de Jacó não se tratava apenas de uma figura natural na sua vida, mas de um teto espiritual. Ela sabia que aquele poço era a representação de uma vida insaciável.

Podemos tirar algumas aplicações a respeito do comportamento da mulher de samaria:

1 - Muitas vezes, nós estamos com a nossa expectativa de sermos supridos completa ou parcialmente com os olhos no que esse mundo pode prover. Inquietamos-nos porque precisamos ter uma série de coisas, senão, não seremos felizes e satisfeitos. Não é problema ter coisas, pelo contrário, é bom! Entretanto, quando a condição da nossa satisfação está nessas coisas, isso é um problema. O problema é quando vivemos insatisfeitos, vivemos com sede de mais, de algo mais e nunca nos saciamos e achamos que as coisas desse mundo vão poder nos saciar definitivamente, aí estamos no mesmo engano que a mulher de Samaria.

Você tem sua expectativa no poço de Jacó? O quê você está buscando? Do quê você tem reclamado? Qual tem sido o seu alvo de insatisfação?

2 – Precisamos cuidadosamente olhar para nosso coração e sinceramente analisar se a dor, ou a ferida, ou a insatisfação com a vida, a chateação com relacionamentos pode ter alguma solução com base naquilo que esse mundo oferece. Você realmente acredita que esse mundo pode apresentar a solução para a nossa insatisfação com o que quer que seja? Apesar de muito simples, precisamos compreender que: a fonte da satisfação não está em nada daquilo que esse mundo pode oferecer. Precisamos chegar à mesma conclusão que a mulher de Samaria: eu estou sedenta e este poço na qual gerações beberam é totalmente incapaz de suprir a minha sede! Diante das insatisfações detectadas em sua vida, você pode perceber o quanto tem insistido em buscar uma solução que venha deste mundo? Renda-se diante das suas frustrações e beba do Único que pode suprir verdadeiramente!

3 - Esse evento da mulher de Samaria nos comprova algo: a raiz de nossas frustrações e inquietações não está fora de nós, mas dentro de nós! Se a cobiça não estiver em nosso coração, o desejo de posse perde a sua força e sentido. Se a própria vida de Cristo estiver transbordante em nós, estaremos tomados de toda a plenitude! Quem é pleno não pode ter falta de nada. Jesus precisava comer, vestir-se, dormir, mas Ele era pleno de vida. A vida natural e todas as nossas necessidades não são ignoradas, mas o sentimento de INSATISFAÇÃO não vem de fora para dentro, mas de dentro para fora. Esse sentimento vem de um coração que não percebeu ainda sua verdadeira fonte.

Independente do estado ou da situação que passamos ou poderemos passar, essa verdade é consoladora: para nós está disponível uma água que nos sacia e que faz de nós uma fonte a jorrar para a vida eterna, em qualquer tempo ou situação. Essa é uma verdade eterna!

Não por acaso Jesus traz à tona a questão dos maridos da mulher samaritana. Era nos relacionamentos que ela buscava a satisfação de sua alma despedaçada. Na situação mais deplorável em que aquela mulher se apresentava, Ele é solução! Tantos maridos nós temos quando nos associamos ao que o mundo apresenta, em tentativas frustradas de obter satisfação, mas mesmo depois de termos nos casado e nos frustrado tantas vezes, finalmente Nele podemos encontrar nosso Noivo eterno! Descansados nos braços Daquele que finalmente é a nossa própria vida. Para quem fomos feitos e predestinados.

Finalmente é importante observar que essa grande confrontação entre a fonte do mundo e a fonte que é Cristo resulta em outro assunto: adoração.

Quem não tem revelação não pode adorar. A adoração é uma atividade que só pode ser feita em espírito. A adoração é uma reação à revelação. Revelação de quê? De que Ele é a fonte da VIDA, de que Ele é o messias que viria e Nele reside toda a nossa existência, de que Ele é a expressão exata do ser de Deus, Aquele que preenche tudo em todos.

Que possamos compreender essa verdade: a fonte de TUDO está agora habitando em nós, do que poderemos ter falta?

“Disse-me ainda: está cumprido: Eu sou o Alfa e o Ômega, o princípio e o fim. A quem tiver sede, de graça lhe darei a beber da fonte da água da vida”. Apocalipse 21:6

terça-feira, 18 de agosto de 2009

REMADORES DO ÚLTIMO PORÃO




Os textos originais da Bíblia não utilizavam a palavra “servo” quando se referiam àquelas pessoas subjugadas ao esquema escravocrata. Ao invés disso, emprega-se de fato a palavra: escravo. A língua grega apresenta pelo menos três variantes da palavra escravo. Uma delas é a palavra upêdêtê.


Os “upêdêtês” faziam parte de uma classe de escravos condenados à morte pelo Império Romano. A sentença desses condenados era de que deveriam remar até a morte. Até que esse sofrível destino se cumprisse, eles deveriam viver acorrentados nos últimos porões das embarcações romanas, empilhados em caixas e faziam ali mesmo todas as necessidades fisiológicas. A única fuga era a morte. À medida que se descia as apertadas escadas daqueles portões, maior se tornavam o calor, as trevas e o mau cheiro que vinham do último porão. Ali podia-se ver um dos mais deploráveis quadros de escravidão humana, um cenário simplesmente miserável e desumano.

Em I Coríntios 4:9 Paulo diz: “Porque a mim me parece que Deus nos pôs a nós, os apóstolos, em último lugar, como se fôssemos condenados à morte; porque nos tornamos espetáculo ao mundo, tanto a anjos, como a homens”. Interessante observar que a palavra utilizada para empregar o termo “último lugar” é exatamente a palavra upêdêtê, “escravo do último porão”.

Parece um tanto contraditório comparar a vida cristã a um bando de condenados acorrentados no fundo de um navio malcheiroso. E para ser sincero, também resisti durante algum tempo para aceitar tal idéia como verdadeira. Paulo, como cidadão romano, conhecia muito bem quem eram e como viviam aqueles escravos, e por isso, não cometeria nenhum tipo de engano ao usar a palavra upêdêtê para dizer que somos escravos de Cristo.

Um obreiro aprovado está pronto para ser colocado em último lugar. Pronto para ser esquecido e para momentos de humilhação. Em tempos difíceis, tempos em que a maioria decide murmurar e criticar, esse obreiro silenciosamente desce as escadarias que levam ao último porão.

Você já ouviu alguma vez alguém condoído, choramingar:
-“Ah! Ninguém se lembrou de mim! No final da conferência, o pastor subiu ao púlpito carregando uma lista com mais de 20 nomes. Você acredita que ele citou o nome de todo o mundo, mas não citou o meu? É muita ingratidão depois de tudo que eu fiz”!

Manifestações desse tipo revelam o anseio por reconhecimento e evidenciam o despreparo ministerial de quem as faz. Um verdadeiro escravo não espera recompensa por seus serviços. Seu trabalho é feito em silêncio e não visa autopromoção. Esse é um trabalho que ecoará na eternidade: “um trabalho fabricado no escuro do derradeiro portão, onde não há sons de elogios e nem aplausos de multidões.

Lamentavelmente temos presenciado um tempo de estrelismo no cristianismo moderno. Julgamos possuir a teologia mais refinada de todos os tempos, nossos seminários são os mais respeitados; no entanto, é estranho que diante de uma bagagem tão ampla não tenhamos aprendido quase nada a respeito da importante lei do “crescer para baixo”, lei vivida e lecionada por João Batista.

É certo que ele nunca freqüentou uma sinagoga que pelo menos refletisse um pouco da estrutura que temos hoje. Contudo, ao olharmos para a vida desse homem rude, eu descubro que poucos de nós possuímos a teologia que ele aprendeu no deserto: “importa que eu diminua e Ele cresça”, João 3:30. A glória de Cristo em mim deve, de alguma forma, continuar me empurrando para algum canto escuro do palco, enquanto o círculo de luz acompanha centralmente a Pessoa de Cristo no cenário.

Que Deus abençoe os “remadores” que têm sido erguidos ao longo dos séculos em Sua Igreja.

“Não a nós, Senhor, não a nós, mas ao teu nome dá glória”. Salmo 115:1

Pr. José Rodrigues,

(O texto é baseado no Capítulo 8 do livro “Ação da Cruz”)


Texto publicado na Revista MCMPOVOS, Ano 1, 7a Edição

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Nepal: um olhar mais de perto



Por Liliana Peixoto
(aluna da MCM Escola que passou um período de transcultural no Nepal)

Depois que cheguei ao Brasil, há exatamente uma semana, quase fui atropelada por duas vezes. É porque, de maneira distraída, atravessei na frente de carros achando que eles iam parar. Então depois do susto dei uma risadinha lembrando-me das palavras da Eliza: “Não corre!!! Se correr, o carro bate... se andar, carro pára!”.
No Nepal é assim! Como em qualquer outro lugar, as ruas estão cheias de carros, vans, motos, bicicletas, mas nesse caso, tem também alguns poucos ônibus, rickshaws, vacas e gente, muita gente “cortando” tranquilamente por entre os carros, sem o menor temor de serem atropeladas. Além dos manifestantes. Todos os dias? Sim, ou pelo menos, praticamente. São dezenas de pessoas com alto falantes e placas protestando pela falta de energia ou água, política, atropelamentos, ou qualquer outro motivo que não agrade. Tudo acaba em “bhanda” (protesto).
Para organizar um pouco as coisas, eles contam com um instrumento utilizado por todos: a buzina. É uma sinfonia ensurdecedora que conduz a todos. É comum ver na traseira de veículos maiores um adesivo dizendo “Por favor, buzine!”. E ninguém hesita cumprir com a solicitação. Um dia tomei um susto enorme quando ouvi uma buzina de caminhão bem atrás de mim e quando olhei... era uma bicicleta!
As vans são o transporte público mais comum nas ruas de Kathmandu, a capital. Dentro delas, mais uma vez a física é desafiada e vencida. Onde tem lugar para um, podem ir dois e onde três se acomodariam, cinco se apertam sem reclamar. O tuk tuk também faz sua vez. Em um espaço de 1 X 1,5 metros, 12 adultos vão sentados com crianças, compras, botijões de gás, e às vezes, cabritos e galinhas. E nos táxis é absolutamente comum o taxista dar carona para alguém sem pedir sua permissão, e isso não dá direito a desconto no final da corrida.
Uma bagunça aos meus olhos brasileiros, mas eles se entendem muito bem. Durante 11 meses, nunca vi uma briga sequer no trânsito! Eles não consideram “barbeiradas” motivos justos para travar uma discussão com um irmão e lá todos são irmãos ou irmãs, não existe, por exemplo, a palavra “primo” na língua Nepale. Mesmo aqueles que você não conhece devem ser tratados como Dai (irmão mais velho) ou Didi (irmã mais velha) e Bhai (irmão mais novo) ou Bhoini (irmã mais nova). É uma questão de respeito. O respeito dita muitos comportamentos na sociedade nepalesa: pelos mais velhos, pela terra que tem “cada palmo cultivável”, literalmente. É comum ver arroz plantado em jardins ou quintais. Até na língua há várias formas de falar a mesma frase, mudando pronome e verbo de acordo com a pessoa a quem você se refere.
Respeito, aliás, é uma das maiores lições que aprendemos vivendo lá. Respeito quanto às diferenças. Os nepaleses comem com as mãos. Uma vez um missionário perguntou a um rapaz se ele não achava anti-higiênico e ele respondeu que tinha nojo era de colher, porque “com minha mão como eu, mas com isso, qualquer pessoa come”. Tudo depende de como você vê.


Publicado na Revista MCMPOVOS, Ano 1, 9a Edição